Cadeia de Valor no Futebol: sequência de transacções entre Brasil - Portugal - países terceiros

Introdução

O futebol, enquanto desporto coletivo mundial, não se define apenas pelo que acontece em campo, mas também por uma complexa cadeia de valor que impulsiona o êxito desportivo e económico dos clubes. Esta cadeia assenta em quatro pilares fundamentais: a identificação precoce de talentos, a aquisição estratégica de jogadores a um custo acessível, o desenvolvimento de talentos para maximizar o desempenho desportivo e o valor de mercado e, por último, a venda de jogadores para gerar lucros que alimentam o ciclo. Neste ecossistema, vários atores - scouts, agentes, academias de jovens, clubes e treinadores - desempenham papéis fundamentais, e o acesso a informações precisas e atempadas é essencial para uma tomada de decisões eficaz. Este artigo explora as tendências de mercado que reflectem esta cadeia de valor, centrando-se num caso paradigmático: as transferências de jogadores de clubes brasileiros, que actuam como “fornecedores” de talento, para clubes portugueses, que actuam como “transformadores” ao desenvolverem e revalorizarem esses jogadores para posterior venda a ligas de maior rendimento. Através de um exemplo baseado em dados, ilustraremos como esta dinâmica gera lucros significativos para os clubes portugueses e reforça a sua posição estratégica no mercado global do futebol.

A Cadeia de valor

A identificação de talentos é o primeiro elo da cadeia. Os olheiros e as academias de jovens, especialmente no Brasil, são cruciais para detetar jogadores com potencial antes dos seus rivais. O Brasil, com sua rica tradição futebolística e população apaixonada, produz um fluxo constante de jovens talentos. Clubes como o Flamengo, o Palmeiras ou o Santos actuam como viveiros, identificando e alimentando os jogadores desde tenra idade. O segundo passo é a aquisição estratégica. Os clubes portugueses, como o Porto, o Benfica ou o Sporting CP, são excelentes na aquisição destes talentos a preços relativamente baixos, graças às suas redes de olheiros e à sua reputação de plataformas de desenvolvimento. Estas transacções ocorrem frequentemente quando os jogadores ainda não atingiram o seu valor máximo de mercado, minimizando o risco financeiro. O terceiro elo, o desenvolvimento, é onde os clubes portugueses acrescentam um valor significativo. Através de treinadores qualificados, metodologias de treino avançadas e exposição a competições europeias de alto nível, como a Primeira Liga ou a UEFA Champions League, os jogadores melhoram as suas capacidades técnicas, tácticas e físicas. Este processo não só contribui para o sucesso desportivo do clube, como também aumenta significativamente o valor de mercado dos jogadores. Por fim, a venda destes jogadores a ligas mais ricas, como a Premier League, a La Liga ou a Serie A, completa a cadeia. Os clubes portugueses obtêm lucros substanciais com a transferência de jogadores por valores muito superiores ao investimento inicial, reinvestindo esses ganhos em novos talentos e perpetuando o ciclo.

Principais Atores do Ecossistema

Cada ator dessa cadeia desempenha um papel específico. Os scouts fornecem inteligência de mercado, identificando talentos emergentes no Brasil. Os agentes facilitam as negociações e transferências, garantindo o alinhamento entre os interesses dos jogadores e dos clubes. As academias de base brasileiras são o ponto de partida, formando os jogadores nas suas fases iniciais. Os clubes portugueses funcionam como pólos de transformação, enquanto os treinadores são os arquitetos do desenvolvimento técnico e pessoal dos jogadores. Todos estes intervenientes dependem de informação de elevada qualidade, desde dados de desempenho a análises de mercado, para otimizarem as suas decisões.

O Processo

Âmbito: Estamos a selecionar as transferências mais relevantes do Brasil para Portugal entre as épocas 15-16 e 21-22 (envolvendo 52 jogadores) 1. Identificar talento: Número de jogadores do Brasil para Portugal: 52 jogadores 2. Comprar talento: Receita bruta do Brasil (fornecedor) para Portugal (transformador): 145.160.000 € 3. Desenvolver talento: Carreira destes jogadores: a. Permaneceram no mesmo clube: 2 jogadores b. Foram transferidos para outros mercados: 32 jogadores (38 transferências) c. Permaneceram em Portugal: 5 jogadores d. Reformados ou sem clube: 9 jogadores 4. Vender talento: Receita bruta (mais-valias) obtida com estes jogadores de Portugal (transformador) para outros países (provavelmente compradores, mas podendo também ser transformadores ou até fornecedores, ainda que improvável): a. Investimento: 145.160.000 € b. Valor obtido (transferências para terceiros clubes): 320.741.000 € c. Benefício: 175.581.000 €

Situação Atual desses Jogadores (transferidos para terceiros)

Mecanismo de Solidariedade Total (Potencial) Receitas de transferências externas de Portugal:

14,730,000 €

Tendências de Mercado

Esta dinâmica Brasil-Portugal reflete várias tendências de mercado: Scouting Globalizado: Os clubes portugueses refinaram as suas redes de prospeção no Brasil, utilizando dados avançados e análise estatística para identificar talentos sub-21, segundo a nossa análise (2015-2022), onde uma % destas transferências envolveu jogadores com menos de 21 anos. Investimento Estratégico: Os clubes portugueses compram a preços acessíveis (€5-15 milhões) e vendem por valores significativamente superiores (€25-80 milhões), maximizando o retorno. No entanto, deve ser dada especial atenção aos Clubes de Elite (candidatos à Liga dos Campeões), que estão cada vez mais ativos nesta estratégia. Plataforma de Desenvolvimento: A Primeira Liga é um ambiente ideal para o crescimento de jogadores sul-americanos, graças à sua competitividade e visibilidade europeia.
Benefícios Económicos: Clubes como Porto, Sporting CP ou Benfica geram margens de lucro elevadas, reinvestindo em infraestruturas, scouting e novas contratações. Além disso: Apenas 40,4% de todos os investimentos em jogadores resultam em lucro, evidenciando um desequilíbrio significativo ao estilo de Pareto nos resultados. Uma pequena proporção das transações gera a maioria dos retornos positivos, sugerindo que a maioria dos investimentos não produz ganhos. Este padrão reflete a natureza de alto risco e alta recompensa das transferências no futebol, onde o sucesso depende de alguns negócios altamente lucrativos. Investimento = jogadores que continuam no mesmo clube

Após serem adquiridos do Brasil, os jogadores no auge das suas carreiras são frequentemente transferidos para clubes adquirentes (e financeiramente fortes), gerando as maiores margens de lucro. As transferências internas dentro de Portugal tendem a ter um propósito mais formativo do que financeiro. As transferências de regresso ao Brasil geralmente envolvem jogadores em final de carreira ou já em declínio, num regresso às origens, o que explica porque estas movimentações tendem a gerar as margens de lucro mais baixas.

Conclusão

A cadeia de valor do futebol - identificação, aquisição, desenvolvimento e venda - é um modelo estratégico que os clubes portugueses dominaram, aproveitando o talento brasileiro como matéria-prima. Esta abordagem não só assegura o sucesso desportivo, mas também garante a sustentabilidade económica dos clubes num mercado altamente competitivo. A colaboração entre scouts, agentes, academias, clubes e treinadores, apoiada por informação de qualidade, impulsiona esta dinâmica. Casos como Militão ou Raphinha demonstram como os clubes portugueses atuam como transformadores, gerando lucros substanciais e consolidando o seu papel-chave no ecossistema global do futebol. Num mundo onde os dados e a tomada rápida de decisões são críticos, esta cadeia de valor continuará a moldar as tendências de mercado nos próximos anos. O Futuro Manter-se-á este padrão? Ou os clubes portugueses terão de repensar este modelo? O futebol é dinâmico, e com o know‑how importado para o Brasil e as Plataformas Multi-Clube a darem os primeiros resultados, este continuará a ser um modelo válido?